ANAMORFOSE?

Anamorfose: Uma distorcida projecção ou representação de uma imagem numa superficie curva ou plana, que, quando vista de um certo ponto, ou quando é reflectida num vidro curvo ou através de um poliedro, aparece regular e proporcional. (Webster´s Dicionary). A palavra é baseada no Grego "para formar novamente".



Há duas ideias-chave que explicam o mecanismo da perspectiva e daqui a construção de anamorfoses usando a perspectiva. A primeira é a ideia que a luz viaja em linha recta. A segunda, é o facto de vermos um objecto porque um raio de luz viaja desde cada ponto de um determinado objecto para os nossos olhos. A perspectiva é um fenómeno de "um só olho" - cada olho vê uma imagem diferente do mundo. O truque é fechar um olho antes de se olhar para anamorfoses.

Juntas, estas ideias levam-nos ao conceito de "cone de visão": os milhões e milhões de raios de luz convergem para o olho de uma forma cónica. A ideia é ilustrada neste diagrama de Abraham Bosse (1648), onde três homens olham para quadrados desenhados no chão, fazendo a experiência do cone visual.




A HISTÓRIA DA ANAMORFOSE

O efeito da anamorfose pode parecer mágico, mas a melhor palavra para descrever é pouco convencional. É baseada em matemática precisa e regras físicas - as mesmas regras que se aplicam às construções das representações bidimensionais do mundo tridimensional- mas as regras são aplicadas de uma forma que deliberadamente quebram com o usual e convencional.
Estas regras e o funcionamento das anamorfoses, remetem-nos para o Renascimento Italiano, há 600 anos atrás.

Os Florentinos eram extremamente orgulhosos das suas invenções (perspectiva), pois eles pensavam que era desconhecido da antiguidade. Mas teria alguma relação com a civilização? Talvez sim: a crença que se poderia representar um homen na verdadeira posição e calcular a sua posição e ordenar figuras numa ordem harmoniosa, expressando simbolicamente a nova ideia acerca do lugar do homem no esquema de coisas e o controlo do homem sobre o seu próprio destino.

Renascimento significa nascer outra vez, e entre 1400 e 1550, primeiro em Itália e depois espalhando-se pelos outros paises, são sem dúvida um dos períodos mais significativos da história da Europa. Os artistas do Renascimento - e especialmente Leonardo Da Vinci, Miguel Ângelo e Rafael- são ainda hoje mundialmente famosos. Começou na cidade de Florença, onde, sob as regras da inteligência e esclarecidos líderes, houve uma redescoberta das civilizações de Roma e Grécia em todos os seus aspectos: política, filosofia, ciência, literatura, arquitectura, arte. Depois de séculos de pensamento cultural focalizado na inadequação da humanidade relativamente ao divino, os Florentinos celebrarão o poder da humanidade:"O Homem na medida de todas as coisas".

A arte da perspectiva, da representação do espaço tridimensional numa superfície lisa, era certamente conhecido na antiguidade, mas o conhecimento era "perdido e esquecido durante séculos. O Bizantino foi a arte dominante durante 1000 anos, baseando-se nos símbolos abstractos nas superficies lisas e neutras. A pintura de um homem não representava um corpo fisico, mas o espírito humano, não tendo volume, profundidade ou posição no espaço. O mundo real já não aparecia como fundo; não existe horizonte" (Wright, Perspective em Perspective).




O artista Alemão Durer fez uma das melhores ilustrações sobre a ideia de perspectiva. O artista observa o seu sujeito, pondo o seu olho num local particular (o ponto de vista) e olhando através de uma "janela". A imagem de uma mulher vista atraves dessa janela é a pintura, que o artista copia através a grelha à frente dele. No entanto, um dotado e treinado artista não precisa da janela para ver, ou uma grelha de cópia. A ideia da pintura ser uma janela é fundamentalmente a perspectiva. Fundamental é também a existencia de um único ponto de vista, assim se nós queremos ver exactamente o que o artista vê, então temos de nos posicionar no ponto de vista em frente ao desenho que é identico ao seu ponto de vista em frente à "janela".


Contra este fundo, a anamorfose nasceu. Os cadernos de Leonardo Da Vinci contém um conhecimento anterior de desenhos anamórficos, que datam de 1480.
Leonardo (e os outros artistas) aperceberam-se que a orientação da janela a 90 graus da linha do centro com os olhos do artista no centro da janela é a convenção e que não havia razão para a janela não ser rodada num ângulo diferente.
O resultado da rotação é que, se tentarmos ver a pintura final a partir da posição convencional (janela nos ângulos certos na linha do centro) parecerá distorcida, e possivelmente, se rodada o suficiente, irreconhecível.


Como conhecimento da perspectiva estendeu-se pelo norte de Itália, artistas no norte da Europa começaram a adoptar a técnica, e a experimentar com a "perspectiva distorcida" da anamorfose.

Um célebre exemplo está presente num quadro pintado por Hans Holbein conhecido como "The Ambassadors". Uma caveira anamorficamente desenhada aos pés dos dois homens.




Na Alemanha, um género de anamorfose que se tornou popular, distorcia formas que eram feitas para parecer outra coisa. Neste exmplo de Erhard Schon, um aluno de Durer, as cabeças de quatro líderes europeus aparecem geograficamente com caracerísticas de territórios. Isto é um bom desenvolvimento da técnica básica da anamorfose, porque é mais dificil para o cérebro reconhecer as formas distorcidas. Como se repara nesta exposição, algumas anamorfses tornam-se fáceis serem reconhecidas se simplesmente nos lembrarmos delas.

Durante o século XVII e XVIII, a arte da anamorfose evoluiu de forma prática e teórica, especialmente em França e Itália. É interessante verificar que a maior parte dos investigadores eram jesuítas, padres católicos romanos que tinham a tradição secular de estudo científico e matemático. Numa anamorfose de um santo pode ler-se: "Através das leis naturais de Deus, o homem é capaz de criar visões" (Leeman, "Hidden Images").

As regras geométricas das anamorfoses eram desenvolvidas, tornando-se mais entendíveis, mais precisas e eficientes, possibilitando uma construção mais fácil de grandes desenhos em paredes.



Novas formas de anamorfoses foram desenvolvidas. A perspectiva não era somente representada numa superfície plana, mas em formas mais complexas, como em cones e pirâmides. Além disso, começaram-se a usar formas cilíncricas, cónicas e piramidais espelhadas para reflectir anamorfoses, tendo a ideia surgido na China.

Os primeiros livros sobre as técnicas da anamorfose foram publicados no séc. XVI. O livro de Jean-Françoise Niceron, "Traumaturgus Opticus" (ou "performer de milagres ópticos"), que apareceu em 1646, é o mais importante destes livros, contendo diagramas para a construção de perspectivas planas e em espelhos cilíndricos. A uma grelha quadrangular aplicava-se uma distorção consoante a posição do ponto de vista, formando uma nova grelha distorcida. Depois disso, os desenhos eram copiados da grelha ortogonal inicial para a respectiva posição na nova grelha.





O FUTURO DA ANAMORFOSE

No século XIX, com o desenvolvimento da impressão a cores a baixo custo, as imagens anamórficas ficaram a um maior alcance dos artistas, popularizando-se pelos seus jogos visuais.
Mas no passado século, as anamorfoses, tal como outras coisas do século XIX, desapareceram do conhecimento popular, merecendo apenas pequenas referências em livros sobre perspectiva e aparecendo ocasionalmente em algumas exposições.
Dos poucos artistas trabalharam com a técnica proprimanete dita, destaca-se Salvador Dalí. Na contemporaneidade, notabiliza-se o húngaro István Orosz.



A técnica da anamorfose, outrora privilégio de artistas profissionais, pode agora ser experimentada por todos, pela facilidade com que pode ser construída através de programas de computador, mais acessíveis, o que pode facilitar o ressurgimento desta técnica ancestral.

Anamorph Me! é um programa de computador (disponível apenas para Linux e Windows) que permite construir anamorfoses.
www.anamorphosis.com é onde se poderá fazer o download gratuito do programa.



www.anamorphosis.com
textos baseados num artigo de Phillip Kent

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